O Japão nos ajudou a reduzir o crime


O escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime apresentou, em abril de 2014, um relatório com os números de homicídios no mundo. O Japão aparecia no pé das estatísticas, com taxa de 0,3 assassinato por grupo de 100 mil habitantes, e o Brasil, na ponta inversa da tabela, exibia uma taxa de 25 por 100 mil. À época, a comparação constrangedora levou autoridades brasileiras a estudar o caso japonês. Apesar da distância geográfica e cultural, parecia que o Japão tinha algo a nos ensinar.

A comparação entre situações tão distintas provou ser o embrião de uma revolução na segurança do Brasil. Ao imitar o que dava certo no Japão – assim como aspectos da política de segurança na Itália e nos Estados Unidos –, o país conseguiu enfim colocar a segurança no trilho certo. Um problema que parecia insolúvel começou a ser resolvido. Uma das ferramentas mais eficazes, apontada pelo relatório profético da ONU, foi a adoção do policiamento comunitário, uma prática secular no Japão. Ela amadurecia no Rio de Janeiro desde 2008, quando teve início a implantação das UPPs, Unidades de Polícia Pacificadora em favelas. No Japão, tradicionalmente, o policial serve ao cidadão em situações até banais, como ajudar a trocar o pneu do carro ou apoiar um idoso na hora de atravessar a rua. A rede de pequenos postos comunitários, espalhados pelas cidades, chamados kobans, foi criada em 1900 para prevenir crimes.



A partir de 2008, a taxa de assassinatos nas áreas pacificadas do Rio de Janeiro começou a cair, até chegar a 8,7 por 100 mil em 2013. Com isso, a desconfiança contra a autoridade policial cedeu lugar à simpatia – e começou a aproximação ao modelo japonês. Depois de garantir a segurança nos morros, as UPPs desceram para o asfalto. Aos poucos, a experiência foi reproduzida nas maiores cidades do país. Em São Paulo, o governo do Estado formou 128 oficiais em cooperação com o Japão e transferiu sua experiência a 11 Estados brasileiros, preparando 346 oficiais multiplicadores.

Não bastava só conquistar simpatias. A polícia brasileira precisava solucionar mais crimes. No Japão, 98% dos casos de homicídio eram resolvidos em 2014, enquanto no Brasil o índice era de 8%. Faltavam investimentos nas polícias Civil e Federal. Os governos brasileiros acertaram o passo ao priorizar as carreiras policiais, com bons salários, compra de tecnologia e um tempo mínimo de especialização. Estancaram a formação açodada que chegou a imperar na seleção de soldados para a polícia carioca no início das UPPs. Como a demanda era grande, os treinos haviam sido simplificados. Chegou-se a formar soldados em apenas seis meses. Agora, ninguém mais serve aos quartéis com menos de um ano de preparação.

A queda acentuada dos jovens como proporção da população total brasileira também contribuiu para a redução no índice de homicídios no Brasil, sem que as autoridades tivessem de gastar um tostão. O jovem é um personagem recorrente nas duas pontas do crime: mata e morre mais. Ao mudar sua demografia, ao se tornar mais velho, o país ficou automaticamente menos violento.

Vagas em presídios eram outro drama do Brasil há 16 anos. As penitenciárias tinham se transformado em depósitos de homens e escolas do crime. No Japão de 2014, havia apenas 65 mil pessoas presas e sobravam vagas nos presídios. O índice de reincidência era baixíssimo. No Brasil, havia 548 mil detentos, 70% dos quais retornavam para trás das grades depois de libertos. O Brasil, com a quarta maior população carcerária do mundo (atrás de Estados Unidos, China e Rússia), precisava resolver a superlotação de presídios. Escandalizado com o que via nas inspeções de celas, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) buscou um exemplo para o Brasil no norte da Itália, um país também às voltas com a superlotação carcerária. Descobriu que no presídio de Pádua os italianos trabalhavam em cooperativa nas áreas de confeitaria, call center, oficinas de bicicletas e digitalização de documentos. O trabalho ajudava o preso a se integrar à sociedade antes de ser solto. O mesmo modelo, com adaptações, foi adotado aqui. Resultado: há 16 anos, apenas 20% dos 548 mil presidiários trabalhavam e 70% voltavam a ser presos. 

Nada disso teria dado certo se os gestores públicos não tivessem começado a avaliar os programas destinados a intervir nas causas da violência, entre elas a desigualdade social. Só assim, com avaliação rigorosa, foi possível descartar os projetos que não alcançavam os resultados esperados. Os governos dos últimos 16 anos acertaram ao selecionar iniciativas com o melhor custo-benefício, depois de anos desperdiçados com gastos tão elevados quanto ineficazes. A chave do sucesso foi a verificação e o acompanhamento de projetos, em busca daqueles com melhores resultados. Sem saber o que realmente funcionava, não havia jamais investimento que bastasse.


Fonte: Revista Época



 



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